ARTÍCULO ORIGINAL
Análise da competência em informação mediante a transição do prontuário físico para o eletrônico
Análisis de la competencia en información mediante la transición de registros médicos físicos o electrónicos
Analysis of information competency through the transition from paper-based to electronic medical records
Beatriz Rosa Pinheiro dos Santos, Ieda Pelógia Martins Damian
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília-SP, Brasil.
RESUMO
Atualmente, as organizações vivenciam um vasto contexto de sistematização de dados, troca de informações e construção de conhecimento em um ritmo denso e acelerado. No entanto, em muitos casos, não se têm a consciência sobre os aspectos de grande relevância em relação à competência do funcionário em lidar diariamente com esse contexto de grande volume informacional. Diante deste cenário, este estudo tem como problema de pesquisa: qual o impacto da transição dos prontuários físico e eletrônico para os profissionais de uma Unidade Básica de Saúde e quais são seus níveis de competência em informação? Assim, o objetivo é analisar a competência em informação dos funcionários de uma Unidade Básica de Saúde mediante a transição do prontuário físico para o prontuário eletrônico do paciente. Para tanto, realizou-se um estudo descritivo-exploratório de natureza qualitativa, utilizando como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada. Os resultados demonstraram que é costume dos profissionais não avaliarem a veracidade da informação recuperada e que a correção de erros informacionais não é praxe nas práticas organizacionais, pois os profissionais estão adaptados com a desorganização e falta de gestão do prontuário físico, mesmo sabendo dos efeitos prejudiciais da perda da informação, e assim, essa situação pode migrar para as práticas de utilização do prontuário eletrônico também. Por fim, verificou-se que a transição do prontuário físico para o eletrônico modifica alguns aspectos culturais na organização e que a adaptação dos funcionários se torna difícil, visto que não possuem níveis suficientes de competência em informação para o uso efetivo das bases informacionais que constam na unidade pesquisada.
Palavras-Chave: competência em informação; registros médicos; registros eletrônicos de saúde; atenção primária à saúde; centro de saúde.
RESUMEN
Actualmente las organizaciones experimentan un vasto contexto de sistematización de datos, intercambio de informaciones y construcción de conocimiento a un ritmo denso y acelerado. Sin embargo, en muchos casos, no se tiene la conciencia sobre los aspectos de gran relevancia en relación con la competencia del funcionario en lidiar diariamente con ese contexto de gran volumen informacional. Ante este escenario, este estudio tiene como objetivo analizar la competencia en información de los funcionarios de una Unidad Básica de Salud mediante la transición del registro médico físico al registro electrónico del paciente. La intención es investigar cuál es el impacto de esa transición para esos profesionales y cuáles son sus niveles de competencia en información. Para esto, se realizó un estudio descriptivo-exploratorio de naturaleza cualitativa, utilizando como instrumento de recolección de datos la entrevista semiestructurada. Los resultados demostraron que es costumbre de los profesionales no evaluar la veracidad de la información recuperada y que la corrección de errores informacionales no es habitual en las prácticas organizacionales, pues los profesionales están adaptados a la desorganización y a la falta de gestión del registro médico físico, aun sabiendo de los efectos perjudiciales de la pérdida de la información, y así, esa situación puede migrar a las prácticas de utilización del registro electrónico también. Por último, se verificó que la transición del registro físico al electrónico modifica algunos aspectos culturales en la organización y que la adaptación de los funcionarios se vuelve difícil, ya que no poseen niveles suficientes de competencia en información para el uso efectivo de las bases informacionales que constan en la unidad de búsqueda.
Palabras clave: competencia en información; registros médicos; registros electrónicos de salud; atención primaria de salud; centros de salud.
ABSTRACT
Currently, organizations experience a vast context of data systematization, information exchange, and knowledge building in a dense and fast pace. However, in many cases, one does not become aware of the aspects of great relevance to the ability of the employee to deal daily with this context of large informational volume. In view of this scenario, this study aims to analyze the information competence of the employees of a Basic Health Unit through the transition of the paper-based record to the electronic patient record. The purpose is to investigate the impact of this transition for these professionals and their levels of competence in information. For that, a descriptive-exploratory study of a qualitative nature was carried out, using as a data collection instrument the semi-structured interview. The results showed that it is the custom of professionals to not evaluate the accuracy of the information retrieved and that the correction of informational errors is not a practice, since professionals are adapted to the disorganization and lack of management of the physical record, even knowing the harmful effects Of information loss, and thus, this situation can migrate to the practices of using the electronic medical record as well. Finally, it was verified that the transition from paper-based to electronic records modifies some cultural aspects in the organization and that the adaptation of the employees becomes difficult, since they do not have sufficient levels of information competence for the effective use of the informational bases that appear in the searched unit.
Key words: information literacy; medical records; electronic health records; primary health care; health centers.
INTRODUÇÃO
Atualmente as organizações vivenciam um contexto vasto de sistematização de dados, troca de informação e construção do conhecimento em um ritmo denso e acelerado. No entanto, na maioria dos casos, não se têm a consciência sobre os aspectos de grande relevância em relação à competência do funcionário em lidar diariamente com esse contexto de grande volume informacional. A falta de um olhar minucioso e experiente diante da informação resulta em falhas na sua organização, coleção, armazenamento, recuperação, interpretação, tratamento e uso; isto é, competências e qualidades oriundas do profissional caracterizado como "Competente em Informação".
O papel característico dos profissionais da saúde é acolher e dar assistência à população.1 Nessa conjuntura, Junqueira1 afirma que acolher significa dar atenção ao doente em todas as suas dimensões (física, psicológica, social e espiritual), ouví-lo, valorizar suas queixas e identificar suas necessidades. Porém, não são apenas essas características que devem ser elencadas como principais no âmbito dos profissionais das organizações de saúde pública, mas, também, a qualidade da Competência em Informação que pode e deve ser apontada como uma característica importante desse universo, uma vez que desenvolve as habilidades existentes e criam novas com o objetivo de agregar valor aos profissionais e as organizações.
O tema competência tem se desenvolvido como um dos principais assuntos de diversas áreas do conhecimento, tendo como definição um aglomerado de conhecimentos e habilidades desenvolvidas em determinada área.2 Logo, a Ciência em Saúde Pública se reconhece como uma dessas áreas que realmente possuem necessidade de ter introduzido em seu campo de educação profissional a Competência em Informação. Apresentando como justificativa que, não basta apenas adquirir conhecimento por meio do acesso à informação, todavia deve-se suprir de competências e habilidades para obter conhecimento em como acessar e utilizar de forma correta e eficaz a informação, a fim de estrategicamente conseguir alcançar o objetivo com êxito; e principalmente, nesta situação, realizar o melhor atendimento à população, acolhendo-a com excelência, sendo essa a função central dos profissionais da saúde pública.
Torna-se impróprio falar sobre informação em saúde sem contextualizar a principal base informacional da Unidade Básica de Saúde, que é o prontuário do paciente, documento primordial para auxílio dos profissionais em suas tomadas de decisões diárias. A Competência em Informação como característica do perfil profissional, neste cenário, ratifica sua relevância na produção inteligente e fidedigna do prontuário (informação) do paciente, que é diretamente desenvolvido pelos responsáveis e ativos da unidade: profissionais da saúde e gestores municipais.
O prontuário do paciente é um documento de extrema relevância no atendimento à saúde do paciente, que dispõe da informação fundamental e é imprescindível para assegurar a continuidade do tratamento prestado a ele. Pode-se dizer até que o prontuário representa o mais importante veículo de comunicação entre os membros da equipe de saúde responsável pelo atendimento.3
De modo mais claro e concatenado, afirma-se que o prontuário do paciente consiste em um documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.4 O prontuário se estabelece entre duas estruturas: física (papel) e eletrônica. A estrutura física é aquela clássica, utilizada pelas organizações antes mesmo da existência do computador, com o intuito de organizar e sustentar dados e informações. Entretanto, com a criação do computador e com o alto desenvolvimento da tecnologia, surge o prontuário eletrônico, informatizado, que chega para definitivamente substituir a estrutura física. Um novo aspecto, uma nova era, que já se encontra em desenvolvimento, mesmo que em muitas unidades, ainda inicial.
Assim, com base nessas contextualizações, este trabalho pretende contribuir de maneira significativa para as áreas da Ciência da Informação e da Gestão Pública em Saúde, mais especificadamente no nível da atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como problema de pesquisa: qual o impacto da transição dos prontuários físico e eletrônico para os profissionais de uma Unidade Básica de Saúde e quais são seus níveis de competência em informação? Dessa maneira, a pesquisa objetiva analisar a competência em informação dos funcionários de uma Unidade Básica de Saúde mediante a transição do prontuário físico para o prontuário eletrônico do paciente.
DESENVOLVIMENTO
Competência em informação: conceito e reflexões
De acordo com Belluzzo5 é muito relevante tratar o tema Competência em Informação, ainda emergente no contexto brasileiro, mas bem desenvolvido e reconhecido internacionalmente, através da expressão: Information Literacy. A autora denomina o termo “Competência em Informação” como um composto de duas dimensões diversas, sendo a primeira, um domínio de saberes e habilidades de diversas naturezas que permitem a intervenção prática na realidade e, a segunda, uma visão crítica do alcance das ações e o compromisso com as necessidades mais concretas que emergem e caracterizam o atual contexto social.
Quanto ao termo Information Literacy, afirma-se ser adjunto a um conjunto de habilidades e conhecimentos, envolvendo a descoberta e uso da informação quanto à resolução de problemas e tomadas de decisões.6 Ou seja, não envolve apenas o movimento de busca da informação, mas o seu uso para a tomada de decisão efetiva.
Einsenberg7 declara que a Competência em Informação é um conjunto de competências e habilidades básicas do século atual, e que deve ser inserida e aceita em todos os níveis hierárquicos de um ambiente organizacional. Além disso, o autor faz uma importante reflexão sobre a educação informacional tecnológica, afirmando ser uma educação fundamentalmente baseada na informação. Ou seja, todos os aspectos da aprendizagem e do ensino requer a coleta, processamento e comunicação da informação. No passado, na educação, havia dependência de um recurso de informação primário: o livro didático. Mas isso está mudando rapidamente devido parte da explosão da tecnologia da informação e das informações em rede. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que diante da sociedade tecnológica atual, torna-se fundamental desenvolver a educação informacional nos indivíduos dominadores e manuseadores da tecnologia, a fim de conscientizá-los sobre a importância desta era para o contexto organizacional.
O processo didático de Competência em Informação inserido no contexto organizacional faz um paralelo com a ideia da liberdade educacional de Freire,8 que afirma ser uma conquista que exige uma infindável busca e que tal busca é uma condição indispensável nesse processo. Como fator contínuo desta ideia, o autor ainda faz uma reflexão que expressa indiretamente a importância da libertação/competência em informação. Ele diz que a libertação é um parto doloroso, e que o homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos.8
Diante de tal definição, pode-se afirmar que tornar indivíduos competentes em informação é o mesmo que libertá-los da insuficiência e analfabetismo informacional, e que essa condição promove uma sinergia efetiva e eficiente em um ambiente organizacional. No entanto, este é um caminho árduo que deve ser trabalhado incessantemente. Deste modo, se faz relevante desenvolver a Competência em Informação nos indivíduos, para que os mesmos não se tornem apenas máquinas que executam máquinas, mas sim, seres pensantes, com habilidades e competências capazes de dominar as tecnologias da informação e tê-las como ferramenta de produção, gestão e compartilhamento da informação, que por sua vez, auxilia na construção do conhecimento.
Além disto, trazendo para o campo da Gestão, a Competência em Informação pode ser considerada uma vantagem competitiva entre as organizações, pois provoca a melhoria e o aperfeiçoamento dos processos de produção e de serviços; propiciando maior visibilidade qualitativa entre as demais organizações que não possuem em seu desenvolvimento a competência informacional.
Pessoas competentes em informação são aptas e qualificadas a exercerem integralmente sua cidadania, pois conseguem enxergar a fidedignidade da informação em todo e qualquer contexto.9 Ademais, a sociedade necessita ir além da possibilidade de acesso à informação, onde o indivíduo primeiramente deve ser capaz de diagnosticar suas próprias necessidades informacionais, saber o que, como e onde buscar as informações que podem atender as necessidades anteriormente percebidas.9
Outra associação relevante feita pelas autoras, a fim de demonstrar a importância da Competência em Informação na sociedade, expressa que a Lei de Acesso a informação (LAI), Lei nº12. 527 de 18 de novembro de 2011 assegura ao cidadão o acesso às informações governamentais, incentivando a transparência da administração. Diante disso, as autoras realizaram uma reflexão, que expressa à impossibilidade de um indivíduo que não é competente em informação de saber seus direitos de acesso à própria informação e às informações governamentais. Logo, por meio desse raciocínio, pode-se indagar, no contexto do tema abordado neste artigo: como um profissional poderá fazer o uso efetivo e eficiente do prontuário eletrônico sem o desenvolvimento da competência em Informação no ambiente de trabalho?
Diante das explanações percorridas para demonstrar a relevância do tema, destaca-se, de acordo com Eduteka,10 a criação do modelo Gavilán, desenvolvido pela fundação Gabriel Piedrahita Uribe (FGPU), que possui como fundamento principal oferecer orientação para resolver efetivamente os problemas de informação. Desta forma, transfigura-se indispensável apresentar esse modelo como base consolidada para o compartilhamento de um guia que promove o desenvolvimento da Competência em Informação em um ambiente organizacional, conforme demonstrado no quadro um.
Este modelo, conforme o quadro um, elucida passo a passo uma das formas de se iniciar o desenvolvimento da Competência em Informação em uma organização, seja ela pública ou privada. Nesse caso, agora destaca-se a importância de se analisar o contexto de um dos objetos de pesquisa deste trabalho: o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), que será um dos norteadores para a investigação da competência em informação dos funcionários da Unidade Básica de Saúde.
PRONTUÁRIO ELETRÔNICO: UM NOVO INSTRUMENTO INFORMACIONAL E COMUNICADOR
A informação de registro médico e de enfermagem é considerada relevante diante do contexto de uma unidade de saúde, pois auxilia diretamente no processo de atendimento. Essas informações estão presentes em uma ferramenta chamada Prontuário, que pode ser definido como um catálogo que contém o histórico de atendimento e de saúde do paciente na unidade de saúde. Devido à atual conjuntura social, caracterizada por uma sociedade informacional e tecnológica, que sustenta as organizações e suas necessidades de informação, surge a ideia de informatizar o Prontuário do Paciente e cria-se o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP), que se manifesta no intuito de promover informação segura e verídica para tomada de decisão.
O Prontuário do Paciente é considerado uma ferramenta fundamental para a prestação de serviço em saúde, e que pode ser definido como um registro padronizado e organizado de toda a informação depositada relacionada à saúde de um paciente.11 Logo, pode-se utilizar esse conceito para definir o PEP, acrescentando que, as informações registradas são realizadas eletronicamente. Desta forma, considera-se PEP um prontuário informatizado, com algumas diferenças do prontuário manual que se decorrem entre vantagens e desvantagens.
De maneira mais especifica, o PEP é definido como um documento caracterizado, de um lado, pela sua unicidade é único para cada paciente, e de outro, pela pluralidade de autores que produzem seus textos e também pela variedade de tipos de informações nele registradas, sendo também polifônico por sua própria natureza, escrito por vários autores médicos, auxiliares, enfermeiros, assistentes sociais, psicológicos, nutricionais, fonoaudiólogo, farmacêuticos bioquímicos, entre outros. É um documento constituído de informações objetivas identificação do paciente, prescrições, cuidados, etc. e informações subjetivas compreensão dos sintomas, das doenças, queixas dos pacientes e interpretação dos exames.12
O PEP apresenta em seu contexto vantagens e desvantagens que alimentam, de certa forma, pesquisas da área, que possuem como intuito aprimorar tal ferramenta. Por essa razão, se faz pertinente cruzar os prós e contras desta ferramenta. Em relação às vantagens quando comparado ao Prontuário Físico, tem-se: melhor acesso, maior segurança e oferta de novos recursos, apoio a decisão e troca eletrônica dos dados entre outras unidades de saúde, entre outras. Por outro lado, também reúne algumas desvantagens, como: custo elevado na implantação, possibilidade do sistema ficar inoperante e resistência da equipe, quanto à adaptação.13
Assim, pode-se refletir que há um número maior de prós do que contras quanto à implantação do PEP. No entanto, do ponto de vista qualitativo referente à vantagem competitiva, torna-se estratégico essa transição. Porém, é importante ressaltar que as desvantagens, mesmo sendo menores, são decisivas para o sucesso da implantação, ou seja, não se deve descartar a análise do ambiente organizacional quanto a sua estrutura para uma transição efetiva e eficiente do novo sistema. Do ponto de vista da Ciência da Informação, o PEP se estabelece como um vasto objeto de pesquisa na área, no intuito de criar reflexões e modelos que contribuam positivamente para a sociedade e para o campo científico.
CARACTERIZAÇÃO DO AMBIENTE DE PESQUISA
O ambiente de pesquisa estudado neste artigo é uma Unidade Básica de Saúde (UBS), agregada no Sistema Único de Saúde (SUS), criado pelo Governo Federal com o intuito de reorganizar e melhorar a atenção primária da saúde pública no Brasil. Esta unidade tem como objetivo geral prestar atendimento público de saúde no nível de atenção básica, de qualidade e integralidade à população. Atende uma área de população do município de aproximadamente 8 000 habitantes e tem por formação e estrutura profissional: três médicos clínicos, dois enfermeiros, quatro auxiliares de enfermagem, dois dentistas, uma farmacêutica, dois auxiliares de farmácia, quatro atendentes de saúde e duas auxiliares de serviços gerais.
MÉTODOS
Para a realização deste trabalho, foi desenvolvida uma pesquisa descritivo-exploratória de natureza qualitativa, a fim de analisar a competência em informação dos funcionários de uma Unidade Básica de Saúde mediante a transição do prontuário físico para o prontuário eletrônico do paciente.
O ambiente de pesquisa estudado neste artigo é uma Unidade Básica de Saúde, onde foram entrevistados: três médicos clínicos, dois enfermeiros, quatro auxiliares de enfermagem e quatro atendentes de saúde. Enquanto que os dois dentistas, a farmacêutica, as auxiliares de farmácia e as auxiliares de serviços gerais não aceitaram o convite para participação da pesquisa. Dessa maneira, dos 20 profissionais que formam o universo da pesquisa, apenas 13 aceitaram participar da aplicação da entrevista, o que demonstra um número reduzido de participação, uma vez que o universo já possui uma pequena quantidade de profissionais.
Quanto à construção do embasamento teórico do trabalho, foi utilizada a pesquisa bibliográfica. Para tanto, foram verificados periódicos nacionais da área da Ciência da Informação e pesquisou-se no Acervo P@rthernon da Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) os artigos, teses, dissertações e livros relacionados ao tema da pesquisa. A pesquisa descritiva exige do pesquisador informações sobre que se deseja pesquisar, e que geralmente esse tipo de pesquisa pretende descrever fatos de uma realidade.14
A pesquisa de caráter exploratório tem o objetivo de conseguir novas ideias e percepções sobre o objeto estudado, pois produz descrições nítidas da situação analisada e também auxilia a descobrir relações existentes, ainda não emergidas no ambiente.15 Com o intuito de fazer referência aos instrumentos de coleta de dados, utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada, que por sua vez, foi desenvolvida com base no Modelo Gavilán de Rehecho16 e foi realizada na própria Unidade Básica de Saúde, por uma das pesquisadoras, precisamente entre as datas de 21/02/2017 a 24/02/2017.
A entrevista é uma técnica que permite o relacionamento estreito entre o entrevistado e entrevistador.17 Os autores ainda resguardam três vantagens de se utilizar a entrevista como instrumento de coleta de dados, como: maior versatilidade para o pesquisador, que possui liberdade na estruturação de sua entrevista, oportunidade de reações mais assíduas de comportamento do entrevistado e vantagem de se conseguir dados mais importantes sobre o objeto de estudo.
Portanto, a coleta de dados é considerada uma etapa muito importante para a pesquisa, porém nunca deve ser confundida com a pesquisa como um todo, pois os dados decorrentes dela estão brutos e ainda não desenvolvidos e digeridos, apenas serão considerados relevantes no decorrer do trabalho, a partir do instante em que forem analisados, interpretados e representados.18 Para a sustentação da análise, os dados coletados foram relacionados com a literatura do tema abordado, principalmente com base no modelo Gavilán, desenvolvido pela fundação Gabriel Piedrahita Uribe (FGPU).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresenta-se a seguir a síntese das respostas para cada pergunta, de acordo com a análise feita dos registros alcançados durante este processo. Na primeira questão, é perguntado se o Prontuário do Paciente é uma ferramenta que auxilia nos processos de tomada de decisões dos profissionais da área de saúde. Todos os respondentes afirmaram que sim e, ainda ressaltaram que “o prontuário é responsável por apresentar o histórico completo do paciente, e não há como tomar decisões e dar o cuidado sem conhecer a história pregressa do paciente” e que “o tratamento do paciente será feito a partir do que se tem no seu histórico”. Estas respostas estão de acordo com a ideia que afirma que o prontuário do paciente é um documento de extrema relevância no atendimento à saúde do paciente e que dispõe da informação fundamental e necessária.3
Na sequência, é indagado qual prontuário (físico ou eletrônico) é mais eficiente. Para oito respondentes, o PEP é mais eficiente, pois não há riscos de perder informações e, além disso, ele é interligado com as redes de atenção à saúde e com os setores da unidade, o que, para estes respondentes, facilita o fluxo e o uso da informação. Já para os demais entrevistados, atualmente, o Prontuário Físico é mais eficiente, pois diferentemente do PEP, não há falhas na internet, e, assim, a memória do profissional registrada no Prontuário Físico estará sempre presente com fácil manuseio. No entanto, esses profissionais acreditam que, no momento em que a organização for autossuficiente em tecnologia de informação e de comunicação de qualidade, o PEP passará a ser mais eficiente que o físico, que é ressaltado pela literatura como um tipo de prontuário que possui inúmeras vantagens em relação ao Prontuário Físico, como melhor acesso, maior segurança e oferta de novos recursos, apoio a decisão e troca eletrônica dos dados entre outras unidades de saúde.13
Quando perguntado se os profissionais possuíam conhecimento para manusear sistemas de informação, todos os entrevistados afirmaram que sim. Entretanto, a maioria reiterou que compreendiam o básico necessário para operar tais sistemas, o que os levavam a enfrentar algumas dificuldades de adaptação. Este conhecimento é importante, pois, no passado havia dependência de um recurso de informação primário: o livro didático e atualmente, esse cenário encontra-se modificado, devido à explosão da tecnologia da informação e das informações em rede.7
Na quarta questão foi indagado se os profissionais avaliavam com frequência a veracidade e a confiabilidade da informação recuperada no prontuário. As respostas foram unanimes: todos os entrevistados responderam que não costumavam avaliar se a informação era verdadeira e confiável, pois se confiava na ética e na competência profissional de quem registrou a informação. Essas respostas corroboram com a afirmação da falta da Competência em Informação dos profissionais, visto que a avaliação e a análise da informação são etapas do modelo Gavilán, citado no quadro um, que promove o desenvolvimento da Competência em Informação em um ambiente organizacional.
Quando perguntando se os respondentes costumavam se basear em pesquisas e informações para realizar as principais atividades na organização, todos afirmaram que sim, no entanto, cada um deles utilizavam diferentes ferramentas para desenvolver tais atividades como, por exemplo, a pesquisa na internet, consulta aos próprios profissionais da unidade, consulta em livros, entre outros. Pode-se dizer que esse processo de busca da informação torna-se indispensável em toda organização e está de acordo com a afirmação de que o individuo primeiramente deve ser capaz de diagnosticar suas próprias necessidades informacionais, saber o que, como e onde buscar as informações que podem atender as necessidades anteriormente percebidas.9
Por meio da questão que procurava verificar se o Prontuário Físico era documentado de maneira organizada, foi possível verificar que não, pois segundo os respondentes a perda de informação era constante, os dados encontravam-se sempre desordenados e sem sistematização. Foi relatado ainda que muitas vezes os registros de um paciente eram encontrados no prontuário de outro paciente, demonstrando a gravidade da desorganização do Prontuário Físico. Pode-se dizer que gerenciar documentos garante as empresas públicas ou privadas maior controle sobre as informações produzidas e recebidas, ou seja, a gestão e a organização dos documentos são importantes em qualquer ambiente organizacional, no entanto, são necessárias algumas competências para realização destas funções.19
Também foi indagado que, quando se tem a necessidade de uma informação, entre as bases humanas de informação (profissionais) e as bases documentais (prontuário e outros), qual delas é primeiramente consultada. Nove dos entrevistados relataram que procuravam primeiramente as bases documentais e, caso a informação procurada não fosse encontrada, as bases humanas eram consultadas, pois para eles, as bases documentais eram mais confiáveis. Esse cenário pode comprovar a falta da sinergia e confiança entre os profissionais, principalmente no aspecto de transformação do conhecimento tácito em explicito, que ocorre por meio da comunicação entre as bases humanas de informação.
O conhecimento é composto por variáveis opostas conhecidas como o conhecimento explícito e o conhecimento tácito; o primeiro é aquele registrado em um documento, disseminado de maneira formal e sistemática e o segundo envolve as experiências e o conhecimento empírico das pessoas, ou seja, é um conhecimento difícil de ser visualizado e exteriorizado,20 logo, essa afirmação dos autores facilita a compreensão de que os funcionários não são dotados de habilidades quanto à externalização eficiente do seu conhecimento tácito; provocando uma onda de insegurança entre os membros da organização referente ao ato de busca de informação por meio das pessoas.
Ao serem questionados sobre qual ferramenta de busca de informação consideravam mais eficiente, fora o prontuário, nove respondentes sugeriram a Google como melhor ferramenta de busca de informação, já os demais pontuaram a existência de outras bases mais especializadas. Essa pergunta traz relevância no processo de análise da Competência em Informação dos profissionais, visto que a identificação, o acesso e a seleção das fontes de informação também são etapas do Modelo Gavilán demonstrado no quadro.
Em complemento à questão anterior, foi indagado se os respondentes conheciam outras ferramentas de busca da informação, e em concordância com as respostas da questão anterior, oito respondentes relataram que não conheciam, e os outros que conheciam algumas ferramentas de busca de informação especificas da medicina, mas que a preferência pela Google se dava pelo fato de encontrar materiais resumidos e já sintetizados. De acordo com a etapa três do Modelo Gavilán demonstrado no quadro um, identificar e selecionar fontes de informação são uma das habilidades inseridas no terreno da competência informacional, logo, os respondentes demonstraram que desconhecem bases eficientes de busca da informação e que se conhecem, não estão aptos ao manuseio efetivo. Por fim, foi perguntado se eram realizados treinamentos frequentes para a adequada utilização do PEP e os entrevistados responderam que não havia constantes treinamentos.
CONCLUSÕES
O objetivo deste trabalho foi analisar a competência em informação dos funcionários de uma Unidade Básica de Saúde mediante a transição do prontuário físico para o prontuário eletrônico do paciente, buscando responder qual o impacto dessa transição para esses profissionais e quais são seus níveis de competência em informação.
É evidente que a implantação do PEP é importante e adequada a nova sociedade da informação. No entanto, ao considerar os aspectos culturais envolvidos, a sua implantação pode acarretar dificuldades de adaptação e execução eficiente em um ambiente organizacional. Percebeu-se, por meio da análise das entrevistas, que os profissionais estavam engajados a aprender e a se adaptarem a esse novo contexto informatizado, porém ainda sofriam dificuldades por falta de capacitação e estrutura moderna de rede.
Os profissionais abrangidos neste estudo estavam cientes de que o Prontuário Físico era desorganizado, e que a falta de gestão desta base representava uma perda de informação que pode, até mesmo, oferecer risco ao paciente em um momento de tomada de decisão por um profissional da saúde. A falta de uma base competente em informação era perceptível pelos profissionais pesquisados que consideravam a Google a melhor ferramenta de busca de informação, mesmo conhecendo outras bases especificas da área. Além disso, era costume dos profissionais não avaliarem a veracidade da informação recuperada, o que pode prejudicar totalmente o desenvolvimento das ações da unidade. Ademais, pôde-se perceber que a correção de erros informacionais não era costume das práticas organizacionais, pois os profissionais já se adaptaram com a desorganização do Prontuário Físico, mesmo sabendo do efeito da perda da informação, e essa situação pode migrar para as práticas de utilização do PEP.
Também foi constatado que não havia valorização das bases humanas de informação quanto à construção do conhecimento no ambiente organizacional e essa situação pode frear o ponto de partida para o desenvolvimento informacional da unidade. Em contrapartida, os profissionais consideravam o Prontuário do Paciente uma ferramenta que produz informação para auxilio nas tomadas de decisões e acreditavam que o PEP era mais eficiente, pois não havia perda de informação e era possível interligá-lo e compartilhá-lo nas diferentes redes e setores da atenção básica em saúde.
Por fim, para responder o problema da pesquisa sobre qual o impacto da transição do prontuário físico para o eletrônico para os profissionais que atuam na Unidade Básica de Saúde e quais são seus níveis de competência em informação neste cenário, verificou-se que a transição do prontuário físico para o eletrônico modifica alguns aspectos culturais na organização relativos à falta de domínio e ambientação dos profissionais com as questões de gestão, acesso e uso da informação e ausência de competências técnicas relacionadas ao manuseio das tecnologias de informação, que são absolutamente necessárias para o passo de busca e avaliação da informação do modelo Gavilán. Nessa conjuntura, a adaptação dos profissionais se torna difícil, visto que não possuem níveis suficientes de competência em informação para o uso efetivo das bases informacionais que constam na unidade pesquisada. É importante explicitar que esses níveis de competência estão diretamente atrelados, com base no modelo Gavilán, ao profissional saber identificar suas necessidades informacionais; saber identificar e selecionar fontes de informação, bem como saber acessar essas fontes e avaliar a veracidade das mesmas; ter competências e habilidades para selecionar informações adequadas nessas fontes e que irão suprir suas necessidades informacionais, sabendo utilizar a informação em situações exatas e necessárias. Nesse sentido, os profissionais desta unidade necessitam aliar suas competências técnicas às competências comportamentais, uma vez que não basta ser competente em informação, sem saber o momento certo, na prática, para se utilizar e aplicar essas competências.
O estudo realizado apresentou limitações importantes quanto à sua população e amostra, que ao se apresentarem em número reduzido, uma vez que dos 20 profissionais que formam o universo da pesquisa, apenas 13 aceitaram participar da aplicação da entrevista, concede que os resultados descobertos se apliquem apenas para a população em questão.
Portanto, como apoio ao desenvolvimento de pesquisas futuras, indica-se uma análise mais aprofundada, por meio de uma investigação sobre este mesmo tema em diversas outras unidades de saúde, configurando assim uma população e amostra mais abrangente, e por meio dos resultados, construir um modelo específico de competência em informação voltada aos processos e práticas das unidades de saúde, no nível da atenção básica.
Conflito de interesses
As autoras declaram que não existe conflito de interesses no presente artigo.
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Recibido:
5 de noviembre de 2017.
Aprobado: 1ro. de diciembre de 2017.
Beatriz Rosa Pinheiro dos Santos. Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília-SP, Brasil. Correo electrónico: beatrizp.gestaoemp@gmail.com